Devemos descomplicar para gerir desempenho e pessoas para a eficácia do serviço público
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, do Poder Executivo, ou a PEC da Nova Administração Pública como o Governo Federal vem tratando, tem o objetivo de criar dispositivos sobre as carreiras públicas do Estado direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O texto envolve trechos da Constituição que tratam da administração pública em geral e dos servidores públicos. A matéria propõe alteração em 27 trechos da Constituição e adota 87 novos. As principais medidas tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de pessoal, válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação das mudanças.
Neste escopo, a Procuradora do Estado e Consultora Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, Ana Carolina Ali Garcia conversou com o Carlos Ari Sundfeld, professor titular da FGV de Direito de São Paulo e Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP).
Na pauta, o especialista falou da necessidade de descomplicar a gestão do serviço público, além de criar mecanismos que tornem mais eficiente as atividades do Estado. Ele também ressalta que a atual matéria não trata efetivamente do que mais precisava ser cuidado, a desconstitucionalização das carreiras públicas, mas apenas resgata o que já foi feito em 1998 com a primeira Reforma Constitucional que, na avaliação do professor, foi inócua e sem efeito.
Acompanhe alguns pontos tratado:
Reforma administrativa para que serve?
Teoricamente, do ponto de vista fiscal serve para enxugar a máquina e dar eficiência aos serviços públicos. Porém não é muito ampla e não deve resolver a questão das carreiras públicas.
A divisão dos cargos públicos pode aumentar a desigualdade?
Um elemento decisivo é que o estamento jurídico conseguiu um espaço próprio. Onde a burocracia tomou conta do Estado. Isso causou, por exemplo,um Judiciário e Ministério Público fora do tema de enxugamento; um judiciário poderoso que tem a capacidade de ficar livre de todas as cobranças, um problema grave e que tem que ser corrigido. O desafio dessa reforma é acabar com essa distorção enorme, para que possamos igualar mais o trabalho público e dar mais incentivos e mais recompensa para quem atende melhor e trabalha melhor.
Vedação ao acúmulo de cargos públicos pode prejudicar a modernização do serviço público?
O problema é que nós apostamos demais na Constitucionalização do Recurso Humano do Estado. Na regra que está na Constituição é possível acumular cargos sem que seja realizado de forma adequada nenhum deles, então hoje não temos uma função multidisciplinar, apenas acúmulos de vencimentos.
Para fechar essa questão, é preciso desconstitucionalizar essa questão. É preciso gerar adequadamente o trabalho público, esse é o grande desafio, nós acreditamos muito em regrinhas jurídicas e gerais e em nada sobre gestão de pessoas. Esse é um dos ingredientes da nossa crise, em matéria de RH do Estado e o caminho está na desconstitucionalização do RH do Estado e isso não está na PEC 32, que é um grande defeito da proposta.
Desafio do ingresso do serviço público, temporário x estabilidade:
A dificuldade no recrutamento para o desempenho da carreira pública é hoje o principal impedimento de uma dinâmica mais célere, por isso o espaço do trabalho temporário que temos hoje, mais comum na área da educação. Essa ‘modalidade’ se tornou necessária pela dificuldade de recrutamento do atual sistema. Os concursos se tornaram gincanas burocráticas, por isso o processo simplificado de contratação está sendo cada vez mais utilizado. Nas escolas, por exemplo, as crianças não podem esperar todo esse processo seletivo.
As fundações de apoio na área de Saúde – que são responsáveis pela grande fatia dos serviços na Estrutura do Estado dessas funções – fazem processos seletivos mais simples e eficientes e conseguem recrutar e repor pessoal, quer dizer, fazem gestão de pessoas.Uma coisa que o serviço público brasileiro perdeu é a capacidade de fazer gestão de pessoal. Isso que nós temos que dar ao Estado, dar o poder de gerir esse pessoal.
Reforma Administrativa deveria atacar:
Focar na qualidade do gasto e na eficácia do resultado. Temos que saber onde gastamos o nosso dinheiro. Saber se um órgão está gastando um recurso numa função que outro está fazendo a mesma coisa. Nós não medimos, criamos normas, subsídios, mas não medimos a eficácia desse recurso. Para que possamos medir a eficácia, devemos descomplicar esse serviço público.
Reforma da Constituição de 1998 não acatou esses aspectos:
O problema é que ao invés de descomplicar a Constituição, a reforma passou para a legislação a tarefa de organizar o regime jurídico do serviço público, complicou ainda mais o regime dos agentes públicos no Brasil. A ineficácia com aquela Reforma, infelizmente, foi retomada na PEC 32 e abre novamente a oportunidade de recomeçar o esforço de Constitucionalização, o que deveria fazer o esforço contrário. Cabe ao Congresso Nacional corrigir esse erro.
Serviço Público de qualidade e bons agentes públicos:
Para isso é preciso ter gestão do desempenho, que seja medido o desempenho, que treine as pessoas, que se dê estímulo. Nada do que a Constituição autoriza se tornou realidade no Brasil. A questão central é convencer os nossos dirigentes que é preciso fazer a gestão por atuação, que isso vale a pena, mas que não temos sido felizes por muitas razões em convencer nossos dirigentes.
Exemplos na atividade dos serviços públicos
A assistência Social e a Saúde, por exemplo, melhoraram com a externalização das atividades. Por meio da terceirização pelo setor privado ou pelas organizações. Essa tem sido a opção, nossos grandes líderes desistiram do serviço público, temos que mudar, mas não dá para desistir.
Veja aqui a íntegra do bate-papo:
Beatricce Bruno, Subcom